
André Luiz Faisting é graduado, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). A entrevista foi realizado por Gabriel Camarão, acadêmico do segundo ano da graduação em Ciências Sociais, membro do LAFRONT e bolsista do CNPq.
G.C - Você poderia falar um pouco sobre sua trajetória.
A. F - Tenho graduação, mestrado e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde também atuei como técnico por mais de 20 anos. Entre as funções exercidas, fui coordenador do Núcleo de Extensão UFSCar-Cidadania, desenvolvendo projetos de extensão na área de direitos humanos e cidadania. Em 2006 ingressei como docente na recém criada Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), para atuar no curso de Bacharelado em Ciências Sociais, tendo sido um dos responsáveis pela formulação do primeiro projeto político-pedagógico do curso, do qual fui coordenador entre 2007 e 2009. Em 2013 iniciamos o Mestrado em Sociologia na UFGD, do qual fui coordenador entre 2015 e 2017. Realizei estágios de pós-doutorado no International Institute for the Sociology of Law, Espanha (2011-2012), e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unioeste (2017-2018). Em mais de uma década de atividades na UFGD, coordenei e participei de diversos projetos de pesquisa e de extensão na área de direitos humanos, violências e fronteiras.
G. C - Seu trabalho de mestrado (A dupla institucionalização do poder judiciário) e o doutorado (Representações de violência e da punição na justiça informal criminal) se relacionam de alguma forma? Se sim qual?
A. F - Sim. Iniciei meus estudos na área de Sociologia do Direito e do sistema de justiça no mestrado, quando estudei o processo contemporâneo de informalização da justiça, mais especificamente o Juizado Especial de Pequenas Causas. No mestrado foquei nas questões cíveis e naquilo que considerei o “dilema da dupla institucionalização da justiça”, ou seja, o contraste entre a justiça formal de decisão e a justiça informal de conciliação. No doutorado dei seqüência aos estudos sobre o tema da informalização da justiça, mas dessa vez com foco no sistema de justiça criminal, e mais voltado para o estudo das representações da violência e da punição nas audiências preliminares de conciliação, base na qual operam os Juizados no Brasil. Desde então passei a me dedicar à questão das representações sociais da violência e da punição na sociedade contemporânea para além do sistema de justiça.
G. C - Você perpassou a temática fronteira nestes temas? Se sim qual a importância?
A. F - Durante o mestrado e o doutorado o foco foi estudar a lógica de funcionamento do sistema de justiça. O interesse pelos estudos de fronteiras surgiu apenas quando iniciei minhas atividades na UFGD, que está situada em uma região de fronteira e, portanto, seria difícil desconsiderar essa dimensão nos meus estudos. Desde então, em minhas pesquisas no campo da sociologia da violência e dos direitos humanos passei a incorporar a realidade dos espaços de fronteira.
G.C - Quais foram as principais dificuldades encontradas no desenvolvimento desses trabalhos?
A. F - Quando desenvolvi minhas pesquisas de mestrado e doutorado, o diálogo entre Sociologia e Direito, embora já existisse, ainda era incipiente e havia dificuldade, de certa forma, de acessar um sistema tradicionalmente mais fechado. Com relação aos estudos de fronteira com foco nas questões da criminalidade e da violência, a maior dificuldade também está no campo da escassez de dados oficiais e do acesso às informações das instituições de controle. Contudo, isso tem mudado ao longo dos últimos anos, e o diálogo tanto com os profissionais do Direito quanto com as instituições de justiça e segurança tem se tornado mais profícuo.
G. C - Quando começou o interesse pelo estudo de fronteira?
A. F - Desde que ingressei na UFGD, em 2006. Mas no início a fronteira não foi incorporada como uma categoria central e analítica em meus trabalhos. Isso vai ocorrer apenas em 2013 quando tive a oportunidade de atuar como pesquisador em uma pesquisa nacional sobre as fronteiras no Brasil. Nesse diagnóstico nacional, financiado pelo Ministério da Justiça e dentro do Programa ENAFRON, realizei pesquisa de campo em 22 dos 44 municípios de Mato Grosso do Sul localizados em região e em linha de fronteira. Posteriormente, aprovei projeto no CNPq para aprofundar o estudo sobre os municípios de fronteira da região da Grande Dourados. E mais recentemente, por meio de um estágio de pós-doutorado realizado junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na UNIOESTE, campus de Toledo, pude aprofundar os estudos de fronteira e pesquisar a região de fronteira localizada no oeste paranaense.
G. C - Qual perspectiva/referências você utiliza para os estudos em fronteira?
A. F - Sem desconsiderar a relevância dos estudos clássicos sobre fronteiras como os de Turner e Barth, por exemplo, e reconhecendo também as contribuições de cientistas sociais brasileiros como José de Souza Martins, me situo dentro de um movimento teórico mais recente que, em diálogo com a concepção de fronteira associada à idéia de frentes de expansão e suas implicações sociais, étnicas e culturais, tem aberto novas possibilidades para o estudo de fronteiras no campo das ciências sociais, em geral, e da sociologia em particular. Me refiro, entre outros, aos estudos com foco nos territórios fronteiriços internacionais e suas interconexões com as questões urbanas dos grande centros, relacionado com o que se convencionou chamar de “ilegalismos de fronteiras” ou “crimes transfonteiriços”. Nesse movimento, também há um esforço no sentido de conceber a fronteira como uma categoria sociológica central e com poder explicativo. Nesse sentido, Cadin e Albuquerque (2018) oferecem não apenas um balanço dos estudos de fronteiras nas últimas décadas, mas também os desafios para esse novo campo que poderíamos chamar de uma “Sociologia das Fronteiras”. Sugiro a leitura desse texto para quem deseja iniciar nos estudos de fronteira dentro dessa nova proposta de agenda de pesquisa do campo.
G. C - Para você qual a importância de se observar a fronteira como variável nos estudos desses espaços?
A. F - Como disse na pergunta anterior, o desafio é ver e estudar a fronteira como categoria sociológica e explicativa dos fenômenos sociais, e não apenas como um contexto exterior no qual esses fenômenos ocorrem. Mas do que o ambiente no qual as relações sociais se desenvolvem, a fronteira como variável explicativa é parte constitutiva dessas relações, sejam elas conflitivas ou não. Mais do que o espaço de circulação de pessoas de diferentes nacionalidades, culturas e etnias, a fronteira corresponde também ao sentido que caracteriza encontros e desencontros nesses territórios.
G. C - Qual a importância segundo sua opinião dos meios de comunicação para construção de um imaginário sobre a fronteira?
A. F - Os meios de comunicação são essenciais para compreender o significado das fronteiras. Isso porque constituem, junto com outras instituições sociais e de controle, instrumentos poderosos de produção e reprodução de sentidos e de representações sociais. Considerando que a fronteira não é apenas a fronteira em sua dimensão objetiva, mas também o que se diz e o que se pensa sobre a fronteira, entendemos a importância das representações das fronteiras como parte constitutiva da própria fronteira. E nesse sentido, os meios de comunicação de massa contribuem decisivamente para o imaginário do que se pensa sobre a fronteira.
G. C - E especificamente sobre a construção do imaginário de violência em espaços de fronteira?
A. F - Da mesma forma, reconhecer que a fronteira é, também, o que se representa como fronteira, se a mesma for caracterizada pelos meios de comunicação como o espaço por excelência do crime e da violência, então a fronteira será caracterizada como tal. Nesse sentido, a fronteira é geralmente vista como “espaço-problema”, o que significa não apenas uma simplificação da noção do que seja a fronteira, uma vez que ela é muito mais ampla e complexa do que isso, mas também, e muitas vezes, uma forma deliberada dessa caracterização como forma de explorar o medo e a insegurança e, com isso, formula/aplicar políticas públicas de segurança que, em geral, são formuladas por quem não vive nem trabalha nas regiões de fronteira.
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