top of page
  • Foto do escritorLAFRONT

Entrevista com Cíntia Fiorotti (SEED/UNILA)


Cintia Fiorotti Lima, doutora em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), estuda relações de trabalhos e a experiência dos trabalhadores nas relações sociais na fronteira Brasil-Paraguai, membro do Grupo de Pesquisa “Fronteiras, Estado e Relações Sociais”. Professora do Quadro Próprio da Secretaria de Educação do Estado do Paraná e professora visitante na UNILA. Entrevista cedida à Alan Gabriel, acadêmico do segundo ano do curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).


A. G – No artigo “MIGRAÇÕES E MUDANÇAS NO MUNDO DOS TRABALHADORES A PARTIR DAS TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS DE TRABALHADORES EM GUAÍRA – PR 1970 E 2010”, você demonstra parte do resultado de sua metodologia através de pesquisa de campo com os trabalhadores “catadores” e “revendedoras” na região de Guaíra-PR. Gostaria de saber qual foi o ponto de contato de você com esse contexto e comunidade, e como surgiu a ideia de investigar tais alterações na vida desses trabalhadores. Ao pesquisar suas obras, percebi que além de estudar essas trajetórias ocupacionais desses definidos trabalhadores no contexto da região de Guaíra nas últimas décadas, você também pesquisou o movimento comercial entre brasileiros e paraguaios na mesma região, principalmente entre os chamados “muambeiros”. Gostaria de saber qual foi o fenômeno ou situação que a fez pesquisar outros contextos de trabalhadores na mesma região para além dos que vivem em função do comércio de fronteira.

Cintia Fiorotti – Responderei as duas questões juntas. Primeiro, quanto a pesquisa houve o interesse por tentar vivenciar as possibilidades que a universidade oferecia aos estudantes. Sabia o que era ensino com as aulas, mas queria entender o que era a tal da pesquisa e da extensão. Logo, onde haviam brechas para ser pesquisador e/ou extensionista voluntário eu me inseria e trabalhava, conciliando com a jornada de trabalho necessária para minha manutenção morando em Marechal. A experiência inicial com pesquisa e extensão foi num projeto chamado escola e mídia. Depois que aprendi o caminho e entendi um pouco como as coisas funcionavam, ao encerrar o projeto, novamente me ofereci como pesquisadora voluntária, mas agora escolhendo um professor com um projeto que discutisse questões relacionadas a trabalho e movimentos sociais. Tenho mãe e irmão formados em História. Em especial, minha mãe sempre esteve envolvida em movimentos sociais, fundação do PT em Guaíra, no sindicato dos servidores municipais e no trabalho em pastorais. Acompanhava ela nestas atividades e, aos 11 anos já começei a participar e assumir responsabilidades em alguns destes grupos. Ingressei no curso de história sabendo o que ele iria oferecer e as possibilidades de pesquisa, logo, acho que consegui vivenciar a graduação sem crises. Esta trajetória, influenciou nos temas que eu iria me envolver na pesquisa. Assim como, o referencial teórico. Já conhecia o marxismo pela pastoral operária, pelas conversas nas idas as romarias da terra, pelas conversas com os colegas do grupo de jovens franciscanos (onde muitos eram militantes), pelas falas em casa e as inúmeras reuniões que acompanhava minha mãe. Logo, me aproximei de pessoas com esta perspectiva. Soubemos por um colega do centro acadêmico que o Antônio Bosi estava organizando um grupo de pesquisa, procuramos por ele. Ele quem nos apresentou o objeto de pesquisa e o problema de um projeto mais amplo. Eu fiquei com os catadores em Guaíra, a Sônia com Foz do Iguaçu, o Francisco com Toledo, O Fernando e a Maralice com Marechal. Era divertido. Trabalhávamos muito, tinhas as reuniões para discutir teoria, outras para discutir metodologia, outra para analisar entrevistas. Fiz toda a pesquisa conciliando com o trabalho, morando em outra cidade e indo de ônibus para uma graduação noturna. Passava os fins de semana estudando e pesquisando. Já com as revendedoras, foram as discussões sobre trabalho autônomo e informal feitas junto ao orientador e a linha de pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais do Mestrado em História da Unioeste, que me levaram a discussão com as revendedoras. Houve um texto chamado “Restruturação Produtiva: forma atual da luta de classes?” do Edmundo Fernandes Dias, apresentado pelo Antônio, que me ajudou muito a pensar no problema de pesquisa. Depois, quando houve a abertura do programa de mestrado em história no curso, ficou legal, porque o grupo que tínhamos na graduação cresceu e se juntou a outros grupos, haviam muitas atividades e muitos professores convidados para fazer debates. No mestrado consegui morar em Marechal no primeiro ano e não trabalhei durante o mestrado. Logo, tentava aproveitar ao máximo tudo que a universidade podia me oferecer.


A. G – Em seu texto, você explicita de forma breve, sobre a migração de trabalhadores rurais para as cidades próximas de Guaíra – PR ao decorrer das décadas de 70 e 80, alterando o contexto regional e criando maiores urbanizações e menor porcentagem de trabalhadores no campo. Gostaria que você comentasse um pouco, se possível, do que você pode compreender como razões majoritárias que levassem a essa alteração nessa comunidade.

C. F – Em minha opinião, as razões majoritárias foi o processo de mecanização do campo combinado a monocultura agrícola e a concentração de terras para o cultivo extensivo. O processo de alagamento e desapropriação de terras durante a formação do lago de Itaipú, teve uma porcentagem neste processo. Porém não foi um fator predominante. Muitas famílias que viviam de cultivos de subsistência, combinados com algum cultivo para venda, como a hortelã, o algodão, a mandioca e o café, não conseguiram manter-se no campo. Da mesma forma, aqueles que estavam ocupados no campo também precisaram socorrer-se em ocupações urbanas, consideradas precárias.


A. G – Em um ponto que eu particularmente achei muito interessante de seu texto, você expõe como duas profissões distintas em seu caráter na distribuição produtiva do capitalismo (catadores e revendedoras) foram adotadas por grande parte das populações que deixaram o trabalho rural para entrar no mercado de trabalho das cidades. Você poderia comentar isso em paralelo a organização definida por gênero no mercado de trabalho? Isso ficou explicito para você durante sua pesquisa?

C. F – Da minha parte, confesso que houve pouca atenção e dedicação a fazer o debate sobre gênero. Porém, fica explícito como estas ocupações também trazem estas diferenciações. No caso das vendedoras, há predominância do trabalho feminino, justificado, em partes pelo perfil da atividade e as características/critérios de seleção preferencias por parte das empresas. Já no caso dos catadores, fica difícil dizer que é um trabalho predominantemente masculino, pois entrevistei mulheres catadoras, estando hora no carrinho e hora na seleção. Acho que neste caso, atinge tanto mulheres como homens. Entretanto, cabe ressaltar o número maior de mulheres na seleção dos materiais, seja nas casas quando o homem é quem sai com o carrinho para catar, como na cooperativa.


A. G – O artigo acima citado, além de propor essa investigação histórica, utiliza metodologias de entrevista para contar como foram os processos de êxodo rural de moradores da região no determinado contexto histórico. Gostaria de saber como você entrou em contato com trabalhadores como Airton da Silva Vales, Alberto Nehing, Silvana e Camila, e se existiu alguma dificuldade em realizar as entrevistas e coletar os depoimentos desses.

C. F – Com os catadores o contato foi mais lento. Primeiro eu comecei a fazer caminhadas por diferentes bairros e observar casas que tinham amontoados de recicláveis. Depois entrei em contato, expliquei a pesquisa, conversei e agendei as entrevistas. Estas aconteciam normalmente no final de semana ou durante a noite. Foi tenso, porque as vezes eram homens que moravam sozinhos, em casas “barracos” e eu precisava entrar lá e fazer a entrevista. Em algumas delas, que eram durante a noite, minha mãe me acompanhou. A maioria, que eram em finais de semana e durante o dia, conseguia ir sozinha. A casa deles costumava estar cheia e as entrevistas sempre contavam com a participação de demais pessoas da família ou vizinhos. Todos me recebiam muito bem, ainda mais quando ficava claro que eu não possuía vínculo com a Itaipú ou com a prefeitura, pois na época o poder público municipal tentando montar a cooperativa de cima para baixo e muitos não concordavam com os critérios. Também houve a indicação de um catador recomendar o outro. No caso das revendedoras, foi impressionante como apareceu mulheres querendo dar entrevistas, uma indicava para a outra e foi indo. Assim consegui estabelecer critérios de escolha como tempo de serviço na revenda, dedicação e faixa etária. As entrevistas duravam muito tempo, eram sempre quase duas horas de gravação e sempre na casa delas.


A. G – Outro ponto que considerei muito pertinente nesse artigo, foi a apresentação acerca das fragilidades e inseguridades da relação trabalhistas formais de ambas as profissões urbanas adotadas pelos trabalhadores (catadores e revendedoras). Após quase uma década depois do período em que essa pesquisa foi realizada, e diversas alterações na legislação trabalhista feitas, como você compreende a situação desses trabalhadores perante as políticas públicas se trabalho e segurança? Você acredita que a já frágil, insegura, precária e muitas vezes insalubre situação de muitos desses trabalhadores se alterou? Se sim, em que sentido?

C. F – No caso dos catadores as políticas públicas em alguns municípios têm contribuído no sentido de “melhoras”, quanto a segurança, possibilidade de pagar INSS, caminhões para coletas, barracões para seleção, coleta seletiva e outras ações. Cabe ressaltar que, muitas destas ações excluem alguns catadores que não se enquadram dentro das normas estabelecidas. Já no município de Guaíra, não há coleta seletiva e não houve ações efetivas e políticas públicas de longo prazo para melhorar estas condições de trabalho. Passaram-se mais de 10 anos e as condições dos catadores continuam praticamente as mesmas. E, ainda, agora precisam ampliar a jornada de trabalho para catarem ainda mais recicláveis, devido a redução do preço pago pelo kg do alumínio e outros materiais. A indústria da reciclagem organiza-se em oligopólios. A mesma coisa com as revendedoras. Houve processos trabalhistas em que a dissertação escrita por mim foi citada tentando exigir direitos, porém, os mesmos foram negados pelo judiciário. Não houve avanços, pelo contrário, o “informal legalizado” vem se tornando cada vez mais presente no Brasil.


A. G – Ao longo do texto, em meio ao contexto onde você conta e apresenta os depoimentos de Alberto, tive a interpretação de que a realidade que o afeta, e que também afeta uma porção muito grande dos trabalhadores no Brasil é causada, entre outros fatores, pela estagnação econômica imposta ao trabalhador, que cria um contexto de tanta fragilidade social e econômica que acaba por impossibilitar oportunidades para o mesmo desenvolver-se intelectual e profissionalmente, impedindo-o assim de almejar melhores empregos e ascensão econômica. Em seu período de pesquisa, você pôde encontrar alguma política ou estratégia pública que lidava com essa situação?

C. F – Essa pergunta é um tanto quanto complexa. Não dá para descartar a importância que programas como bolsa família, auxílio gás e leite, entre outros tinham na composição da renda desta força de trabalho. Havia significativa expressão destes auxílios na composição da renda destes sujeitos. Embora, saibamos que é uma forma do Estado subsidiar a manutenção desta força de trabalho para exploração do capital, muitos trabalhadores, ressaltavam a importância desta renda para manter as crianças na escola ou para complementar as necessidades familiares, como com medicações e até aquisições de meios de transporte, como, carroças com cavalos, que contribuíssem com o aumento da renda. Também houve as tentativas de fundação de cooperativa, mas como disse, não se tratavam de políticas públicas a longo prazo e nem que melhorassem essa condição de trabalho. Vinha de cima para baixo porque as prefeituras queriam desenvolver e absorver parte da verba como o programa cultivando água boa da Itaipú. Então, era montar a cooperativa para “inglês ver”. Até hoje o projeto de aterro sanitário da cidade não saiu do papel. O que conseguiram foi é proibir a presença de pessoas catando do “lixão”.


A. G – Em sua entrevista com Alberto, você também comenta sobre relatos dele acerca de humilhações e violência contra ele devido a seu posto de trabalho. Isso aconteceu em alguma outra entrevista além da que foi realizada com ele? Poderia dizer se essa era uma ação recorrente contra esses trabalhadores?

C. F – Sim, em praticamente todas as entrevistas isto apareceu. Era recorrente e até hoje é. Houve-se comentários, “esses catadores, ficam espalhando os lixos das lixeiras”.


A. G – Outra questão que gostaria de saber mais, pois no artigo ficou restrita a uma fala de Camila, é sobre a necessidade das revendedoras de ter outras ocupações de trabalho além da função de vender por catálogos. Em certo ponto, a entrevistada afirma que “[…]Só com a vendo dos produtos não dá pra se manter. Tinha dois que eu lavava e era fixo, onde eu mudava eu tinha que dar o endereço que o povo levava roupa lá. Agora é difícil conseguir lavar roupa[…]” Gostaria de saber se esse tipo relatado era recorrente em outras entrevistas, e se isso pode ser considerado como uma evidencia de que o mercado de trabalho urbano se mostrou, ao decorrer do tempo, incapaz de continuar a incorporar esses trabalhadores devido a sua configuração e exigências.

C. F – Olha, o conceito de trabalhador par-time, ele se mostra no Brasil como um fenômeno diferente do Europeu. No Brasil, este trabalhador precisa desenvolver outras ocupações, ou seja, “vários par-time” para obter sua mínima necessidade de renda. Como no caso da Camila, que depois ficou só com a revenda e passou a revender para umas 5 empresas diferentes ou mesmo sublocar a revenda para outras mulheres que não possuíam cadastro direto na empresa. Não é fácil se manter como revendedora e ainda com o nome limpo no SPC.


A.G – Ao discorrer sobre as “revendedoras” você explicitou de forma muito clara e contundente sobre a fragilidade das relações trabalhistas impostas a essas trabalhadoras por empresas como AVON, Natura e outras. Segundos os dados da Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (ABEVD). Gostaria de saber se para você, esses dados demonstram uma clara articulação do mercado em flexibilizar as relações trabalhistas visando a maximização de lucros, a minimização de custos e compromissos com o trabalhador e o barateamento das estratégias de venda no mercado.

C. F – Sim, demostram. O mais impressionante disso tudo é a contradição dos discursos em afirmar a informalidade e exigir uma série de outras obrigações por parte do trabalhador que caracterizam evidentemente vínculo trabalhista. E esses caras são uma organização internacional, a ABEVD é só uma extensão disso no Brasil. SE você ler o Estatuto, tanto empresas como a associação agem de maneira ilegal. Porém, no Brasil não há fiscalização e nem mesmo controle sobre o uso da força de trabalho feito por estas multinacionais

533 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page