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Entrevista com Márcia Maria de Oliveira, professora da Universidade Federal de Roraima

Olá professora Dra. Márcia Maria de Oliveira, gostaria de agradecer a oportunidade em nome do LAFRONT sua gentileza em compartilhar suas experiências sobre os temas Migração e tráfico de pessoas.



1) Conte um pouco a sua trajetória de vida e acadêmica.

Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (PGSCA/UFAM), Pós-Doutorado em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF/UFRR), Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA / UFAM), Mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha), Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM). Nossa trajetória docente vai desde o primeiro ingresso na Universidade Federal do Amazonas - UFAM, na condição de professora substituta com contrato temporário (2006 – 2008), passando pela formação de professores, com ampla atuação na licenciatura em sociologia, no Programa Nacional de Formação de professores na Amazônia (PARFOR/UFAM: 2008-20014), passando por um período em universidades privadas atuando nos cursos de comunicação, teologia e filosofia sempre na área interdisciplinar e multidisciplinar. Entre 2008 e 2011 coordenei um curso de Especialização em Ética e Política num convênio entre o Serviço de Ação, Reflexão e Ação Social – SARES, e a Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Também este curso de especialização estava vinculado à área multidisciplinar e propiciou uma ampla atuação em disciplinas com diálogos no campo das ciências humanas e sociais aplicadas, além da experiência na orientação de diversos Trabalhos de Conclusão de Curso.

Entre 2014 e 2015, ingressei na Universidade Federal de Roraima no Programa Nacional de Pós-Doutorado – PNPD/CAPES vinculado ao PPGSOF. Esta experiência marcou profundamente minha trajetória acadêmica no exercício da docência em nível de pós-graduação. Foi um período de intensas pesquisas científicas e contato com disciplinas compartilhadas com professores do curso que me proporcionaram grande crescimento teórico e pedagógico no exercício da docência na pós-graduação. O ingresso efetivo na Instituição Federal de Ensino Superior – IFES, se deu em 2015 quando realizei concurso para o Curso de Educação do Campo na Universidade Federal de Rondônia – UNIR, onde atuei como coordenadora do curso e professora das disciplinas ligadas à área da sociologia, antropologia, epistemologia e fundamentos teóricos da pesquisa no ensino superior.

O desejo de retornar à UFRR fez com que renunciasse à UNIR e tentasse novo concurso público no Curso de Ciências Sociais no início de 2018 com posse julho deste mesmo ano. Com apenas um ano de experiência na UFRR, passo a contribuir de forma efetiva e com o PPGSOF somando com suas demandas e com o corpo docente podendo orientar e acompanhar os discentes na trajetória acadêmica estabelecendo pontes com a graduação, com os projetos de extensão que estamos acompanhando e ampliando a atuação nas pesquisas. A atuação no Curso de Ciências Sociais tem nos permitido ampla atuação no ensino, pesquisa e extensão nos dedicando à orientação de monografias, de monitorias, projetos de iniciação científica (PIBIC/PRPPG/CNPq). Acreditamos que esta experiência proporciona atuar na pós-graduação de forma mais efetiva podendo aprofundar e amadurecer muito mais a experiência acompanhando os discentes ao longo do curso orientando-os na escolha e desenvolvimento de disciplinas e atividades acadêmicas no nível da pós-graduação.


2) Como analisa o fenômeno da imigração na América do Sul atualmente?

De acordo com o relatório Tendências Globais da ACNUR do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (DESA) 2016, 12% da população mundial é constituída de migrantes internos, deslocados e desplazados e 13% do total de migrantes mundiais são latino-americanos. O mesmo relatório indica que o número de migrantes internacionais na América Latina passa de 57,5 milhões. Os deslocados internos, eminentemente deslocamentos compulsórios, somam mais de 5,4 milhões, em sua grande maioria povos indígenas, ribeirinhos, campesinos, populações tradicionais e comunidades quilombolas são as mais afetadas. Os relatórios da ONU Migrantes 2018 apontam que o número de solicitantes de refúgio no Brasil aumentou de 35.464 em 2016 para 85.746 em 2017. Na América Latina, é o país que mais acumula pedidos de asilo sendo processados, e no mundo é o sexto. Entretanto, oficialmente o país acolhe apenas 10.264 pessoas com status de refugiados, enquanto 52.341 obtiveram permissão temporária de residência. Os relatórios oficiais da ONU, supracitados, apontam ainda que 6,1% da população latino-americana é constituída por migrantes internacionais e 58 milhões de dólares é a quantidade média da movimentação da Economia das Remessas que os migrantes retornam para seus países na América Latina.


3) No caso do Brasil, tem percebido alguma mudança na questão da mobilidade humana transfronteiriça?

A partir de 2010, com a diáspora haitiana, a Amazônia passou a figurar entre as regiões com maior mobilidade interna e internacional na América Latina. As novas rotas migratórias que circulam no sul da América Latina passando pela Amazônia representam novos deslocamentos oriundos especialmente do Caribe e dos países vizinhos. São as novas rotas migratórias e “as fronteiras da Amazônia” são vistas pelos migrantes como a entrada para o Brasil e países vizinhos, especialmente Guiana Francesa e Argentina, pelas portas dos fundos. Limitados pelas fronteiras políticas, os migrantes tornam-se alvo de ‘agências’ ou grupos nacionais e internacionais especializados na exploração dos migrantes.

Ao longo de praticamente todas rotas migratórias, surgiram também na Amazônia, as redes de contrabando de migrantes e do tráfico internacional de pessoas, especialmente de mulheres para fins de exploração sexual comercial. Considerado uma das mais perversas formas de violação aos direitos humanos, as rotas do tráfico de pessoas têm aumentado na Amazônia afetando tanto os migrantes que chegam na região quanto aqueles que se vão.

Nos percursos transfronteiriços e nos destinos migratórios surgiram também grupos especializados na exploração do trabalho dos migrantes, em muitos casos configurando-se claramente a submissão ao trabalho escravo.

Desta maneira, as migrações na Amazônia abriram muitos novos debates em torno desta temática que não é nova na região. A Amazônia é uma região transnacional que abrange nove países que têm por referência a maior reserva de floresta tropical do mundo. Além do Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, a República Cooperativa da Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa formam a Pan-Amazônia, o que coloca a região numa ampla relação transfronteiriça. Por suas dimensões transcontinentais e por sua condição transfronteiriça, a Amazônia representa uma região em si, cobiçada por seus recursos naturais, buscada como refúgio ou com região de passagem e interligação para outras regiões, que lhe conferem uma dinâmica migratória muito específica.

Ausência de políticas migratórias capazes de abranger as regiões estratégias no Brasil. As migrações provocam mudanças na Amazônia: mobiliza a sociedade civil diante da temática migratória; diversas instituições e organizações não-governamentais, dedicadas ao atendimento aos migrantes em toda a Amazônia com especial destaque para o Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM, Rede um Grito pela Vida, comunidades, paróquias, igrejas evangélicas, grupos espíritas... que desenvolvem diversas atividades que vão desde a acolhida emergencial até a orientação para o emprego, aulas de língua portuguesa, momentos festivos, creches para as crianças, dentre muitas outras iniciativas.

Os países latino-americanos recebem a grande maioria dos venezuelanos, mas, o Brasil, não é o principal. Veja as cifras: Colômbia (1,3 milhão), o Peru (768 mil), Chile (288 mil), Equador (263 mil), Brasil (168 mil) e Argentina (130 mil). O México e os países da América Central e do Caribe também recebem um número significativo de refugiados e migrantes da Venezuela.


4) Como analisa as questões políticas na Venezuela?

A Venezuela passa por uma situação política e econômica muito complexa com impactos diretos nas migrações. O embargo econômico a que foi submetido o país resulta num processo de empobrecimento crescente da população a curto, médio e longo prazo. Politicamente o país não tem elementos para sobreviver por muitos anos ao embargo econômico como o caso de Cuba que encontrou alternativas durante longos anos. Outro grande problema da Venezuela é a entrega dos recursos naturais em concessão a multinacionais com amplo poder de exploração dos recursos sem retorno direto para o país. Como o que ocorre na região do rio Orinoco com a exploração de ferro e derivados expulsando todos os povos indígenas que vivem no seu entorno e no caminho da exploração.

O país tornou-se refém do petróleo no sentido de passar a depender economicamente quase que totalmente deste recurso. Com as sanções econômicas, todos os bens do governo venezuelano nos EUA foram congelados e transações foram proibidas. Segundo 'Wall Street Journal', é a primeira medida americana do tipo em mais de 30 anos, e apenas Cuba, Coreia do Norte, Irã e Síria sofrem restrições tão pesadas atualmente. Isso tem um reflexo direto sobre a população causando desvalorização da moeda local, diminuindo o poder de compra do salário de forma exorbitante e causando desemprego em massa por causa direta do enfraquecimento do Estado.

Outro agravante é a condição histórica de assistencialismo a que parte da população foi submetida. Com o enfraquecimento do Estado, essas regiões inteiras ficaram desassistidas e viram nas migrações a única alternativa viável. Por parte da população, se identificam poucas resistências sociais organizadas quase que restritas à parte da população partidária da esquerda. A parte vinculada à direita optou pelas migrações como uma forma de oposição ao governo em muitos casos motivados pelos discursos de governos e prefeitos locais.

Outros elementos estão em debate no campo político. Por exemplo, até onde vai o embargo econômico dos Estados Unidos se muitas empresas americanas estão explorando minérios e petróleo na Venezuela? Fato é que as estatais entraram num processo de sucateamento sem precedentes na história venezuelana, o que compromete até mesmo a oferta de serviços básicos à população como água e luz. A saúde está em processo tremendo de precarização por causa da dificuldade do país de ter acesso a medicamentos e, agravado com a migração dos médicos e outros profissionais da saúde. O mesmo se passa com a educação e outros setores sociais. Uma parcela importante da sociedade, alguns teóricos falam de mais de 50% da população, que ainda se mantêm firme ao lado do governo e isso dá sustentação política para se manter à frente do país.


5) Acredita em uma solução rápida para a crise política na Venezuela? De que forma?

A situação na Venezuela é bastante complexa e as saídas não dependem de conjunturas pontuais. Trata-se de uma crise política orquestrada e estratégica para colapsar o país. É um escândalo porque protagoniza a fome de milhares de pessoas que se veem obrigadas a migrar para não morrer de fome. Os informes da FAO estimam que entre os anos de 2016 e 2018 houve um aumento de 11% de subalimentação na Venezuela. No entanto, esta não é uma situação somente da Venezuela. O relatório conjunto das Nações Unidas, O Estado da Segurança alimentar e Nutricional no Mundo em 2019, (SOFI, sigla em inglês), a fome está aumentando na América Latina e no Caribe: em 2018 afetou 42,5 milhões de pessoas, 6,5% da população regional. Ainda de acordo com o SOFI, nos últimos cinco anos (2014-2018), a subnutrição vem aumentando no mundo todo. Na América Latina e no Caribe, as taxas de subnutrição vêm aumentando nos últimos anos e a porcentagem de pessoas com fome aumentou de 4,65% em 2013, para 5,5%, em 2018. O SOFI 2019 aponta que 55% das pessoas que sofrem de subnutrição estão na América Latina, e a Venezuela teve grande aumento de subnutrição subindo de 6,4%, entre 2012-2014, para 21,2% no período de 2016-2018 devido à elevação significativa da insegurança alimentar nos últimos anos que coincide com o período de recessão do país, uma vez que a inflação alcançou quase os 10 milhões percentuais e o crescimento do PIB real piorou, indo dos 3,9% negativos, em 2014, para 25% negativos aproximadamente, em 2018. Durante os primeiros 15 anos deste século, a América Latina e o Caribe cortaram a subnutrição pela metade. Mas, desde 2014, a fome vem aumentando[i].

Estes e muitos outros dados indicam que o aumento da fome na Venezuela está intimamente associado à desaceleração econômica geral da região. As quedas nos preços das commodities desde 2011 levaram a uma deterioração das finanças públicas para muitos países dependentes das exportações de commodities na América Latina e no Caribe. Simultaneamente, a taxa de desemprego cresceu assustadoramente por causa do desaquecimento da economia. Todos estes fatores contribuem para o caos na Venezuela. As análises sociológicas apontam que essa situação independe do governo. De nada adianta trocar o governo se o sistema de desmantelamento econômico permanece. Neste momento, atingindo mais expressivamente a Venezuela, mas, outros países estão no mesmo processo de empobrecimento e enfraquecimento econômico, dentre os quais, o Brasil.


6) Quais são as transformações que vem ocorrendo no espaço urbano com a vinda dos venezuelanos para o Brasil?

O Brasil é formado eminentemente por migrantes. É um país pluricultural por causa das diversas migrações que o constituem. Por sua vez, as migrações, “via de regra, representam a parte visível de transformações invisíveis. A mobilidade humana constitui, muitas vezes, o termômetro que aponta para mudanças ainda em gestação, uma espécie de iceberg de numerosos fatos sociais. A História registra, não raro, que transformações da sociedade foram precedidas ou seguidas de intensos deslocamentos humanos, levando-nos a pensar que os migrantes sejam, na verdade, protagonistas privilegiados dessas mudanças históricas[ii].

É importante notar que no panorama das migrações internacionais na Amazônia, as tensões vividas em torno da mobilidade humana revelam o paradoxo do sistema econômico globalizado: ao mesmo tempo em que propugna a livre circulação do capital, o neoliberalismo cria mecanismos de restrição à movimentação das pessoas. Ou seja, o capital e as mercadorias podem circular à vontade[iii]. Entretanto, as pessoas não encontram esta mesma facilidade de circulação, mesmo entre países vizinhos.

No caso dos venezuelanos, as pesquisas de campo nos levam a concluir que ocorre um comportamento muito parecido. Parte da sociedade reconhece as importantes transformações da Amazônia com a chegada, circulação e instalação destes migrantes. Outra parte rechaça os migrantes. Ocorre a reprodução do modus operandi: os migrantes são necessários para fazer circular novas dinâmicas econômicas na sociedade, mas, não são desejados. Entretanto, é inegável a transformação da sociedade mediante a dinâmica migratória. Há muitas especulações em termos quantitativos, mas, em termos qualitativos, além de fazer circular as economias locais com translados, aluguéis, consumo alimentício, e outras economias, a estratégia de acolhimento por parte das organizações internacionais que se instalaram em Boa Vista e em Manaus fazem dos processos migratórios uma verdadeira indústria da “crise humanitária”. Fundos milionários são destinados ao atendimento aos migrantes e refugiados. Entretanto, a realidade venezuelana, em tese, não configura uma crise humanitária de acordo com as definições internacionais para as quais, "a crise humanitária é uma categoria do Direito Internacional Humanitário, que se refere tanto a desastres naturais como a conflitos bélicos de alta densidade e dá à ajuda transnacional operada por governos e organismos internacionais, um argumento para intervir nas decisões que preocupam os Estados nacionais, violando suas soberanas. Haiti, Somália e Sudão do Sul são os precedentes da Venezuela, o atual objetivo das cruzadas humanitárias"[iv]. Por outro lado, outros ganhos com a mobilidade humana se fazem notar como a circulação da língua espanhola ampliando o capital cultural das cidades de destino, as trocas culturais que se fazem na arte, na culinária,


7) Passados alguns anos desde que se iniciou a crise migratória venezuelana, vem percebendo alguma melhora?

Um elemento importante nas migrações é a economia das remessas. Na definição clássica a palavra remessa significa “ato ou efeito de remeter”, ou “aquilo que foi remetido”. Conceito derivado do latim, remissa representa o “envio de algo a partir de um lugar para outro diferente”. Na economia moderna, remessa é todo volume de circulação de recursos, de maneira especial em dinheiro, que os migrantes mandam para as suas famílias em sua terra natal. De acordo com o Fundo Internacional para Desenvolvimento Agrícola – FIDA[v], anualmente, cerca de 200 milhões de migrantes internacionais sustentam uma média de 800 milhões de familiares com as remessas. Isso representa a quarta economia dos países em desenvolvimento.

De acordo com os levantamentos do FIDA, no referido relatório de 2017, trata-se de uma economia que movimenta mais de quinhentos bilhões de dólares (US$ 500) anualmente. Isso significa que uma média de quatro pessoas depende diretamente do trabalho de cada migrante em país estrangeiro. Este número pode dobrar ou triplicar se considerarmos as migrações internas, ou seja, os movimentos migratórios inter-regionais, dentro do próprio país, no qual milhares de pessoas migram para outros estados ou regiões com a finalidade de trabalhar para sustentar seus familiares. De acordo com este relatório, em 2017 havia “cerca de 250 milhões de imigrantes vivendo fora de seus países em todo o mundo” disponibilizando sua força de trabalho, que corresponde a uma cifra importante da economia mundial.

Isso significa, segundo o relatório do FIDA (2017), que “as remessas tocam diretamente as vidas de uma em cada sete pessoas no planeta”. Entretanto, a maioria da renda dos trabalhadores migrantes, cerca de 80%, permanece no país em que residem. Em termos percentuais, significa que cada migrante consegue enviar uma média de 20% de seus ganhos mensais para seus familiares. Mas, há aqueles que sacrificam seu bem-estar pessoal para enviar um pouco mais de recursos para seus familiares. É o caso das mulheres que conseguem economizar e enviar quase o dobro do valor que os homens enviam para seus familiares.

Ainda de acordo com o FIDA (2017), “as remessas mensais representam uma fração, normalmente em montantes de duzentos ou trezentos dólares (US$ 200 ou US$ 300), enviada ao países de origem dos migrantes”.

Em termos de economia internacional, esses valores parecem relativamente baixos. No entanto, podem representar até 50% ou mais da renda da família que está no país de origem do migrante. Esses valores representam impactos de grande escala na economia global e na paisagem política mundial uma vez que o ganho total dos trabalhadores migrantes é estimado em 3 trilhões de dólares anuais. Isso tem mobilizado as economias internas dos países receptores de migrantes, uma vez que os bancos especializados no envio de remessas cobram taxas que variam de 10 a 40% do valor enviado. Ou seja, as economias locais, além de lucrar com o trabalho dos migrantes, ainda lucram com o envio de suas economias para os países de origem[vi]. No caso da Venezuela, as migrações representam um caminho de recuperação da economia local com o envio das remessas. Tal como vem ocorrendo no Haiti, são as remessas que vão recuperando o país aos poucos. Nossas pesquisas de campo com venezuelanos indicam que cada migrante tem uma média de 5,5 pessoas que dependem da sua remessa que retorna ao país na forma monetária ou na forma de alimentos e artigos de primeira necessidade. Nesse sentido, as remessas apontam importantes saídas para a Venezuela. Fora isso, estão as inúmeras iniciativas de grupos populares que têm se organizado em pequenas cooperativas e associações para buscar saídas coletivas para o problema da fome. Alguns grupos voltam ao campo para garantir a alimentação básica a partir do cultivo de frutas, verduras e legumes comercializados ou trocados por outros artigos de primeira necessidade entre páreas. No campo político, entretanto, não se vê sinais plausíveis de reversão do processo.


8) Acredita que a crise econômica brasileira é de fato barreira que impede a ampla aceitação dos imigrantes venezuelanos?

São contextos sociais e econômicos que não se comparam. Considerando o tamanho do território e nossa economia, o Brasil teria condições de acolher muito mais migrantes. Apesar da fama de acolhedor, o país precisa fortalecer as políticas públicas de abrigo e emprego para que a projeção de um fluxo cada vez maior não se transforme em crise. "O Brasil poderia fazer muito mais pelos refugiados", afirma o coordenador de Políticas para Migrantes da Prefeitura de São Paulo, professor Paulo Illes. Mundialmente os imigrantes correspondem a 3,4% da população, produzindo quase 10% de toda a riqueza mundial (PIB), aponta levantamento de 2015 da consultoria McKinsey (Imigrantes contribuem com US$ 6,7 trilhões à economia global, cerca de US$ 3 trilhões a mais do que teriam gerado se tivessem apenas permanecido nos países de origem[vii].

O migrante é um sujeito de direitos. O Brasil é um país de migrantes. A onda de xenofobia praticada contra os migrantes da Venezuela tem crescido muito na Amazônia nos últimos tempos. Vale esclarecer que muitos migrantes que saem da Venezuela para outros países, incluindo o Brasil, não são venezuelanos. Há muitas ocorrências de processos de “múltiplas migrações” de cubanos, colombianos, haitianos e até mesmo brasileiros que viviam na Venezuela e agora encontram em processo migratório. Isso revela que a Venezuela, até bem pouco tempo, representava um país de acolhida a migrantes de diversas nacionalidades. O que ocorre atualmente na Venezuela é um processo de crise econômica e política sem precedentes que tem empurrado muita gente para a migração como alternativa de sobrevivência. Os venezuelanos, por sua vez, não possuem histórico de emigração em grandes proporções como urge ocorrer em muitos países da América Latina, inclusive o Brasil, em tempos de crise e recessão.

Somente nas décadas de 1980 e 1990, mais de um milhão de brasileiros se deslocaram para outros países em busca de trabalho e melhores condições de vida. Depois de sucessivas crises econômicas e políticas resultantes do longo período da ditadura militar e da difícil transição política, milhares de brasileiros migraram para outros países, principalmente Estados Unidos, Paraguai, Japão e Portugal, para escapar do desemprego, da fome e da miséria.

Se contabilizarmos as migrações internas no Brasil, é difícil encontrar alguém que não tenha se deslocado ao menos uma vez na vida de seu lugar de origem para estudar, trabalhar, cuidar da saúde ou escapar de diversos tipos de conflitos e violência, tendo que se mudar para outras localidades. As estatísticas migratórias, considerando as migrações internas e internacionais, apontam para o Brasil como um país em completo movimento migratório, o que nos leva a concluir que de alguma forma, todos e todas somos migrantes!

A migração é um direito. Faz parte do conjunto dos Direitos Humanos garantidos a toda e qualquer pessoa. O migrante é um sujeito de direitos. Não pode ser desrespeitado, humilhado ou rechaçado por sua condição migrante. O Brasil é um país de migrantes. Boa parte de nossa economia e das nossas riquezas foram construídas com o trabalho dos migrantes que chegam nesse chão brasileiro desde os primórdios da colonização.

Os migrantes que chegam da Venezuela são sujeitos de direitos e não perderam sua dignidade humana por causa da migração. Migram para escapar da fome e da miséria que vem tomando conta do seu país. Aliás, um país muito amado e respeitado pelos venezuelanos que mesmo em processo de deslocamento, não deixam de cultivar a esperança do retorno. Talvez por isso muitos não querem ir para muito longe. Preferem ficar na Amazônia à espera de um retorno rápido. Isso significa que boa parte dos migrantes não traçou um projeto migratório. Ou seja, não planejaram a migração. Por mais que essa seja um direito, para muitos foi a única alternativa de sobrevivência. Por conta da fome e do processo empobrecimento vertiginoso, muitos se viram impelidos à migração.


9) Na sua opinião qual a causa da xenofobia do povo brasileiro para o venezuelano?

Os migrantes venezuelanos vêm sofrendo muitas formas de xenofobia na Amazônia e isso nos envergonha. O rechaço tem se manifestado de diversas formas que vão desde ofensas e injúrias pessoais até movimentos coletivos de brasileiros exigindo a expulsão dos migrantes. Ataques a abrigos espontâneos e acampamentos improvisados, formados na sua grande maioria por mulheres e crianças, tem se tornado algo recorrente em Roraima.

Movimentos anti-migração têm ganhado força nas campanhas políticas e aparece nas promessas de muitos candidatos. Essas práticas inescrupulosas instigam a xenofobia e representam uma grande irresponsabilidade por parte de pessoas que ocupam ou pretendem ocupar cargos públicos. A estes e a todas as pessoas que embarcam na onda das práticas xenofóbicas, vale ressaltar que xenofobia é crime!

A palavra xenofobia significa aversão ao estrangeiro, no caso, ao migrante. Entretanto, quando a aversão se torna agressão, a Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, em seu artigo 1º (com a redação determinada pela Lei nº 9.459, de 13 de março de 1997), determina que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Desta forma, xenofobia materializada em práticas de violência, configura-se como delito inafiançável e imprescritível de acordo com a Constituição da República, artigo 5º, inciso XLII).

Xenofobia rima com violência e com racismo. Nossa legislação em vigor, a Lei nº 134/99, de 28 de Agosto e o Decreto-Lei nº 111/2000, de 4 de Julho, proíbe e define punições a quem praticar qualquer tipo de discriminação no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.

Os venezuelanos têm sofrido diversos tipos de ofensas com destaque para a acentuada e recorrente ofensa verbal, com referências pejorativas e preconceituosas que ofendem a sua dignidade. Isso é crime de injúria qualificada prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal: “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro” a penas prevista para esse tipo de crime é a detenção, de um a seis meses, ou multa”. Além disso, “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa”.

Aos incitadores da xenofobia, a Lei a Lei nº 7.716, em seu artigo 20 define: que é crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”.

Portanto, xenofobia é crime que precisa ser combatido e banido de nossas relações sociais e culturais. E, enquanto crime, a xenofobia precisa ser denunciada tanto pelo migrante, vítima direta, como pelas testemunhas que não comungam com esse tipo de comportamento que deveria nos envergonhar a todos e todas num país e numa Amazônia eminentemente constituído por migrantes.

Durante a semana nacional dos migrantes e refugiados, o Comitê para Migrações de Roraima (COMIRR) divulgou uma nota pública em repúdio à xenofobia institucional praticada e instigada pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima.

Num contexto historicamente marcado pelas migrações que constituíram e ainda constituem parte significativa deste estado, declarações como estas são incoerentes e ato grave quando praticadas por agentes públicos em espaços institucionais. A xenofobia institucional contraria a postura solidária e acolhedora da grande maioria da sociedade roraimense que não tem poupado esforços para acolher, compartilhar, cuidar e integrar os migrantes e refugiados que continuam chegando todos os dias e se espalhando por todo continente latino-americano.


10) Como está funcionando o trabalho do Brasil no auxílio aos imigrantes venezuelanos?

As iniciativas de acolhimento aos migrantes se espalham por todo o Brasil. Inúmeras instituições vinculadas à organização da sociedade civil têm se mobilizado para atender, acolher e integrar os migrantes. Muitas igrejas têm se dedicado à tarefa de acolher migrantes venezuelanos. Gostaria de destacar o papel da Igreja Católica, através de seus organismos pastorais como o Serviço Pastoral dos Migrantes e a Cáritas que vêm desenvolvendo diversos mecanismos de atendimento aos migrantes orientados pela Campanha “compartilhe a viagem”. Trata-se de uma campanha da Cáritas Internacional, lançada pelo Papa Francisco, em setembro de 2017, com o objetivo de “promover a acolhida aos migrantes e refugiados em todo o mundo”. A campanha representa um “caminho para sensibilização e solidariedade” e vem ganhando a adesão de importantes instituições nacionais e internacionais como o Serviço Pastoral dos Migrantes.

A Cáritas é um organismo da Igreja Católica que atua “nas lutas emancipatórias, a partir de processos coletivos, organizativos, promovendo o protagonismo de grupos e comunidades, bem como no fortalecimento de iniciativas em redes de articulação, fórum e ações de incidência política, animando a construção de espaços de democracia participativa, de inclusão e transformação social”.

Com a Campanha “compartilhe a viagem”, a Cáritas, nas palavras do próprio Papa Francisco, chama a atenção de toda a sociedade para a conjugação dos verbos acolher, compartilhar, cuidar e integrar os migrantes e refugiados que atualmente alcançam cifras inimagináveis e representam um “lixo humano produzido pelo sistema capitalista que descarta também as pessoas”, como afirmava o sociólogo Sigmund Bauman em sua obra amor líquido, 2004. Para o Papa Francisco, “nem as empresas, nem os sistemas políticos, nem os grandes líderes econômicos estão interessados em reciclar esse lixo humano”.

A Campanha “compartilhe a viagem”, relembra ao mundo que a sociedade atual está marcada pelos deslocamentos humanos internos e internacionais. Diversas são as causas desses deslocamentos, mas, predominam as desigualdades sociais e as injustiças nas bases dessa tragédia humana que resulta em milhares de migrantes e refugiados. A Organização das Nações Unidas informa em seu relatório de 2017 que existe atualmente “mais de 173 milhões de refugiados deslocados por guerras e conflitos ao redor do mundo”, outros “244 milhões de migrantes internacionais”. Isso significa que para cada grupo de 113 pessoas no planeta, 1 é solicitante de refúgio e 4 são migrantes internacionais ou deslocados internos.

Por trás desses números, no entanto, existem pessoas, a grande maioria mulheres e crianças em viagem para diversas direções do planeta. Levam pouca bagagem, mas, carregam muitas esperanças e recordam a toda humanidade que a vida é uma viagem marcada por encontros e desencontros. Nessa perspectiva, a Campanha “compartilhe a viagem” nos convida a conjugar o verbo acolher no sentido de oferecer ou obter refúgio, proteção ou conforto físico, abrigar e amparar quem está em situação de vulnerabilidade. Implica em sair dos discursos vazios e assumir atitudes concretas. Envolver-se com a causa recordando-se que “todos somos migrantes numa vida passageira”, como afirmava D. João Batista Scalabrini, patrono dos migrantes e refugiados.

O segundo verbo da campanha é compartilhar e significa dar um pouco do que se tem. Às vezes esse pouco é simplesmente um sorriso, um abraço, um gesto de carinho que pode transformar vidas. Quem compartilha até pode se esquecer do gesto que fez. Mas, quem recebe, não esquece jamais. A conjugação do verbo compartilhar não tem sido muito usual no modo de vida capitalista. Representa um grande desafio para toda sociedade mais acostumada a acumular que compartilhar. Implica em romper paradigmas.

Cuidar é o terceiro verbo da campanha. De fato, os migrantes e refugiados, precisam de cuidado. Muitos são crianças e jovens afastados da escola e do convívio familiar numa fase decisiva de suas vidas.

O quarto e último verbo é integrar os migrantes e refugiados. Para integrar é necessário, antes de tudo, atitude radical de rompimento com as amarras do preconceito, da discriminação, do racismo e de toda e qualquer forma de intolerância. Significa incorporar-se e integralizar-se juntamente com a outra pessoa. Adaptar alguém ou a si mesmo a um grupo, uma coletividade. Fazer com que a outra pessoa deixe de ser “outro” e se torne “um de nós”. Integrar representa contribuir para ajudar a outra pessoa a superar as marcas da guerra, do desprezo, do rechaço, do anonimato, da miséria e da exclusão. Integrar é estabelecer uma atitude permanente de troca de experiências, saberes, culturas, línguas, tecnologias e conhecimentos.

A conjugação dos quatro verbos da Campanha “compartilhe a viagem” resgata a esperança de milhares de migrantes e refugiados que batem à porta de todas as sociedades convidando mais pessoas para fazer a viagem com eles e com elas. Nos desafiam a sair de nossas zonas de conforto e assumir atitudes concretas para muito além dos nossos discursos políticos ou religiosos. Nos desafiam a assumir gestos concretos de acolhimento fraterno.

Por fim, a Campanha “compartilhe a viagem” nos revela que esses migrantes e refugiados tinham tudo o que precisavam para viver: a segurança em seus países, a vida estável, o conforto de seus lares, a estabilidade de seus empregos, as escolas de seus filhos e que, de uma hora para outra, perderam tudo por causa das guerras insensatas, das catástrofes ambientais ou das crises políticas e econômicas de seus países. Por isso, esses migrantes e refugiados nos revelam que a vida nos reserva grandes surpresas e que não somos totalmente donos(as) de nossos destinos cada vez mais instáveis nessa sociedade neoliberal[viii].


11) Outro tema de estudo em que está inserida é o Tráfico de Pessoas. Atualmente como está o cenário no Brasil?

Ainda não se sabe exatamente qual a finalidade, mas, há denúncias suficientes para se afirmar que o tráfico de crianças, de maneira especial de crianças filhas de migrantes dada a sua vulnerabilidade social, é uma realidade que precisa ser seriamente denunciada e investigada na Amazônia[ix].

Este tema vem ganhando importância internacional e atualmente é tema de debate no Sínodo da Amazônia. Dada a sua relevância e os perigos para toda sociedade, a temática é apresentada no Instrumentum Laboris[x] como uma grande preocupação nos parágrafos 15, 23, 67, 73, e nas sugestões apresentadas ao final do parágrafo 128.

Há mais de vinte anos estudo e público com certa periodicidade, pesquisas e artigos sobre o tema do tráfico de pessoas na Amazônia e tenho aprofundado argumentos suficientes para concordar de que realmente, trata-se de uma grave violação dos direitos humanos e, de maneira especial, uma das mais perversas violências contra as mulheres que aparecem como principais vítimas deste delito internacional. Entretanto, a incidência de tráfico de crianças, tem despertado a atenção e novos estudos dos diversos grupos que atuam com esta temática, tanto no âmbito acadêmico como é o caso do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos – GEIFRON, vinculado ao programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteiras da Universidade Federal de Roraima e a Rede “Um Grito pela Vida” instituição vinculada à Conferência dos religiosas/os do Brasil – CRB[xi]. Nas últimas semanas, mediante as denúncias que chegaram a pública pelas matérias acima mencionadas, saímos a campo para ouvir os migrantes venezuelanos em Boa Vista sobre este assunto. As pesquisas de campo fazem parte do Projeto de Pesquisa, intitulado Migração, Violência e Direitos Humanos: uma análise dos processos migratórios no Estado de Roraima, aprovado pelo CNPq, no Edital MCTIC/CNPq Nº 28/2018. Nas pesquisas de campo, confirmamos tanto a atuação de quadrilhas especializadas no aliciamento e tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial, quanto de crianças. Não conseguimos falar com nenhuma família envolvida diretamente com o crime, mas, entre os migrantes, são recorrentes as narrativas que dão conta de vários grupos atuando em Boa Vista e cabe às instituições responsáveis fazerem as investigações.

Aqui nesta entrevista, reproduzimos apenas algumas narrativas que dão conta de ampla atuação de grupos que “levam as crianças para destinos desconhecidos”. Uma parente informa que uma menininha de apenas 5 anos estava sendo “negociada” nas imediações da rodoviária de Boa Vista, com um “caminhoneiro que afirmava ser de São Paulo e que precisava realizar o desejo da esposa pela maternidade”. De acordo com as narrativas, a mãe teria desconfiado da versão do caminhoneiro quando o avistou fazendo a mesma proposta para outra mãe com outra criancinha de apenas 4 anos. Diante dos fatos, a mãe ficou observando o caminhoneiro e ouviu quando este colocou no viva voz um áudio de watsapp no qual uma voz masculina dizia que poderia pagar até dois mil por cada menina que levaria para a “farra” em São Paulo. Assustada a mãe teria fugido com a criança para Manaus. Cabe às autoridades policiais apurar os fatos e fazer as investigações. O que pontuamos aqui neste artigo é a gravidade deste delito e sua recorrência neste contexto migratório de extrema vulnerabilidade social e econômica das famílias assediadas por traficantes capazes de “comprar crianças”. Ao que tudo indica pode se tratar de grupos pedófilos especializados em abuso e exploração sexual de crianças. No entanto, pode ser também para tráfico de órgãos. Ou seja, para bons propósitos não será. Se fosse para adoção, temos o cadastro nacional de adoção vinculado ao Conselho Nacional de Justiça com amplo e fácil acesso para todos os interessados em adotar de forma legal.

O que podemos afirmar nestes poucos dias de estudos científicos é que se trata de um crime marcado pela covardia de adultos que banalizam a condição humana de crianças pelo simples fato de serem pobres e estarem em situação vulnerável. Trata-se de tráfico humano porque cumpre todas as suas prerrogativas conceituais previstas no artigo terceiro do Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004 do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças que afirma o seguinte: "Tráfico de pessoas significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; o termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos”.


12) Como vem percebendo o tráfico de mulheres na Amazônia?

Estreitamente vinculado ao contrabando de migrantes, o tráfico de mulheres tem muita relação com a feminização das migrações, temática que vem provocando mudanças importantes nos estudos migratórios que exigindo novas abordagens e metodologias porque, em nível mundial elas representam mais da metade dos migrantes internacionais. Entre os refugiados também cerca de 67% é composta de mulheres e crianças. A feminização das migrações desafia novos entendimentos do fenômeno migratório na perspectiva de gênero.

O tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual comercial se aproveita da feminização das migrações (especialmente para os garimpos e na indústria internacional do sexo). A feminização das migrações está estreitamente relacionada com o reordenamento internacional do trabalho e com a precarização do trabalho e da legislação trabalhista mundial. Os contratos de origem priorizam as mulheres para fazer o dobro ou o triplo do trabalho masculino em meio período de trabalho. A justificativa é o fato de ser mulher. Ausência de políticas migratórias capazes de abranger as regiões estratégias no Brasil. A ausência de políticas migratórias, de maneira especial por parte dos estados nacionais, e dos governos locais, abre precedentes para atuação dos grupos especializados na exploração da condição dos migrantes e para o tráfico de pessoas. Considerado uma das mais perversas formas de violação aos direitos humanos, as rotas do tráfico de pessoas têm aumentado na Amazônia afetando tanto os migrantes que chegam na região quanto aqueles que se vão.


Notas:

[i] Relatório conjunto das Nações Unidas 2019: A fome afeta 42,5 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe. http://www.fao.org/americas/noticias/ver/pt/c/1201842/


[ii] MILESI, R. et al. Entidades confessionais que atuam com estrangeiros no Brasil e com brasileiros no exterior. In: CASTRO, M.G. (Org.). Migrações internacionais: contribuições para políticas. Brasília: CNPD, 2001, p. 563-587. (p. 566).


[iii] OLIVEIRA, Márcia Maria de. Dinâmicas migratórias na Amazônia contemporânea. São Carlos: Scienza, 2015. (p. 35).


[iv] Conclusões do grupo de jornalistas e pesquisadores independentes do grupo Misión Verdad em 19 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://www.brasil247.com/mundo/a-verdade-sobre-a-crise-humanitaria-na-venezuela


[v] O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) é uma instituição financeira internacional e uma agência especializada das Nações Unidas com sede em Roma. O centro mundial de alimentação e agricultura da ONU. investe na população rural, empoderando-a para reduzir a pobreza, aumentar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e fortalecer a resiliência. Informações apresentadas neste artigo estão disponíveis em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-04/remessas-de-imigrantes-somam-cerca-de-us-500-bilhoes-ao-ano-no-mundo. Publicado em 10/04/2017. Consultado em: 10/02/2019.


[vi] Remessas atingem recorde em 2017, anunciou Banco Mundial. Publicado em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/04/23/interna_internacional,953558/remessas-atingem-recorde-em-2017-anunciou-banco-mundial.shtml, em 23/04/2018. Consultado em 10/02/2019.



[viii] Maiores informações da Campanha “compartilhe a viagem” estão disponíveis em: http://caritas.org.br/campanha-mundial-compartilheaviagem2017




[xi] Rede “Um Grito pela Vida” instituição vinculada à Conferência dos religiosas/os do Brasil – CRB (http://gritopelavida.blogspot.com/p/quem-somos.html).

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